Egiptomania

    Pode-se explicar a presença de elementos da cultura egípcia antiga no mundo ocidental com base em dois elos: o primeiro se dá pelos valores culturais dessa fase da História, isto é, o respeito à magia e o culto a imortalidade. Já o segundo approach se dará na readaptação de elementos egípcios a novos usos. Os exemplos dados pela Margaret Bakos são:

“Decorações de ambientes, desenhos desvinculados dos cânones artísticos originais egípcios com propostas de novas interpretações continuaram sendo feitos, ao longo dos séculos, alguns sob formas bizarras, indo ao encontro das fantasias dos usuários da modernidade, ao sabor do imaginário social que as criaram e as mantém.”[1]

    Voltando a ótica de Michel de Certeau, ele nos conta que até uma leitura de um determinado livro, não pelo autor do livro, mas sim por um leitor qualquer é uma prática de releitura, sendo assim a visão expressa ali não será a do Autor como este pensou, e sim do próprio leitor. Assim ele escreve em seu trabalho Aventuras do Livro: do leitor ao navegador:

“O leitor é um caçador que percorre terras alheias. Apreendido pela leitura. O texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui o seu autor, seu editor ou seus comentários. Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor... Mas esta liberdade do leitor, não é jamais absoluta. Ela é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções, e hábitos que caracterizam em suas diferenças, as práticas de leitura. Os gestos mudam segundo o tempo e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem.”[2]

    Sendo assim de acordo com a própria Margaret Bakos, Egiptomania é: “a reinterpretação e o re-uso de traços da cultura do antigo Egito, de modo que lhe atribua novos significados.”[3], isto é, reproduzir traços da cultura do Egito antigo e assim eternizar um patrimônio da humanidade. Alem disso, ainda se pode as vezes reproduzir um olhar inédito sobre esta civilização e assim, ampliar o interesse por esta cultura.

    Este termo se refere a uma pratica que surgiu muito antes da própria egiptologia, que vai aparecer apenas no decorrer da primeira guerra mundial. No Brasil a pioneira em pesquisa neste tema é a professora Margaret Bakos[4], ela nos fala que existia diversos termos para designar este mesmo conceito:

“Egiptomania, Revivificação Egípcia, Estilo do Nilo, Faraonismo: diferentes palavras e termos vem sendo usados por diferentes períodos e países para descrever as variedades de expressões de um singular e expressivo fenômeno. Ele consiste no tomar de empréstimo, dos elementos mais espetaculares, da gramática de ornamentos que é a essência original da arte Egípcia antiga; e dar a esses elementos decorativos, nova vida através de novos usos.”[5]

    Na opinião de alguns egiptólogos como Dimitri Meeks, foram os relatos e textos do século IV a.C. que deram origem a este fenômeno, “Neste momento nasce a Egiptomania. De exegeses a sonhos, de especulações a discursos obscuros, o Egito se dispersa numa falta de nitidez em que a realidade se oblitera.”[6]. Ainda de acordo com Meeks, a Egiptologia só veio a se tornar ciência em 22 de setembro de 1822 quando Jean François Champollion comunicou a descoberta da tradução dos hieróglifos para a Academia Francesa de Belas Artes, e assim separou a pratica de Egiptomania da Egiptologia.

    Embora o marco inicial da Egiptologia seja com a tradução da pedra de roseta, foi a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito e a publicação dos 24 volumes da obra Description de’l Egypte, que foi resultado de trabalho dos eruditos que acompanharam a expedição, que irá desencadear uma busca pela Egiptomania na Europa. Sendo esta prática, entre os conceitos relacionados à Egiptologia, a mais antiga da História, ela vai criar e recriar o antigo Egito ao longo dos anos. Tanto mantendo o significado original como criando novos significados.

    De acordo com a professora Margaret Bakos, a palavra “mania”, que estabelece o conceito de Egiptomania, vai se da pelo fato de ciência e imaginação se unirem, sendo assim, “ela drena sua substância de conhecimentos acadêmicos sobre o antigo Egito, do saber popular, transmitido por viajantes e escritores, e do repertório de mitos e símbolos assim gerados”[7] é por este motivo, que “ao se estudar Egiptomania, se está realizando um trabalho de egiptologia, pois a última trata com rigor científico de tudo aquilo relacionado ao antigo Egito, incluindo as práticas de Egiptomania.”[8] Assim sendo, símbolos que nos remetem claramente ao Egito Antigo como as pirâmides, obeliscos, esfinges, podem perder completamente sua relação com o a era faraônica.

 


[1] BAKOS, Margaret. Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004, p.: 87.

[2] CERTEAU apud CHARTIER, Roger. Aventuras do livro: Do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1998, p.: 77.

[3] BAKOS, Margaret. Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004, p.:10.

[4] Doutora em História pela USP. Fez pós-doutorado em Egiptologia no University College London. Professora adjunta da PUCRS. Coordenadora do Projeto Egiptomania no Brasil (CNPq).

[5] HUMBERT apud BAKOS, Margaret. Encontro de tempos: A rainha Cleópatra no limiar da ciência e da imaginação. Revista do Historiador, 2010: p.: 38. Disponível em: https://www.historialivre.com/revistahistoriador.

[6] MEEKS apud CARDOSO, Ciro Flamarion, Egiptomania na Literatura. In. Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo: Paris Egitorial, 2004: p.: 175.

[7] HUMBERT apud BAKOS, Margaret. Encontro de tempos: A rainha Cleópatra no limiar da ciência e da imaginação. Revista do Historiador, 2010: p.: 38. Disponível em: https://www.historialivre.com/revistahistoriador.

[8] BAKOS, Margaret. Encontro de tempos: A rainha Cleópatra no limiar da ciência e da imaginação. Revista do Historiador, 2010: p.: 38. Disponível em: https://www.historialivre.com/revistahistoriador.